sábado, 31 de janeiro de 2009

Biriri

Tinha lindos olhos dourados
E grossos pés inchados.
Pinga, sua musa.
E sapatos? Diziam: "Não usa!"

Alguns poucos amigos.
Talvez encontros furtivos.
Na vida simples de Vassouras,
entre tantas lavouras.

Dona Chica o acolhia com prosa,
quando ela não tava numa birosca.
Roupa velha não serve mais.
Mais frio, jamais.

Sua casa, um saco cheio de vida.
Pronto para qualquer ora,
qualquer partida.

E assim, ele partiu.
Deixou sua musa, que antes o matou.
Por onde anda, ninguém sabe;
ninguém viu.
Mas em algum lugar, ele acordou.
Com seus lindos olhos dourados.
Os pés amputados.
O fígado acabado.
E o sossego encontrado.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Ciclo

Ovulo.
Evoluo.
Não engulo.

Desejo.
Vejo.
Deixo?

Chuto.
Fumo.
Sigo o rumo.

Modifico.
Codifico.
E arrisco.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Carlos Drummond de Andrade


* Humildemente opinando, esta jóia de C.D.A. sempre pareceu-me a estouro do "cair da ficha" pelo qual muitos de nós já passamos, estamos passando ou passaremos. Mas não um "cair de ficha" com amargura e resignação cegas, e sim com a clareza serena de quem já sonhou loucamente e hoje sonha - talvez com menos fervor e paixão, mas não com menos esperança.

E, sinceramente, desejo que cuidemos melhor do nosso presente, que se renova em cada inspiração e expiração; em cada criança concebida; em cada desabrochar de flor; em cada momento em que dizemos - sem temer o ridículo e a demonstração de fraqueza - o quanto gostamos de quem nos é querido... Pois, como disse certa vez minha amiga literata-paulistana-carioca Carla Lapenda, "a vida não tem ensaio".

Já chegou 2009; vamos de Mãos Dadas?