domingo, 29 de junho de 2008

Mulher Preguiçosa

No caminho para o trabalho, lavando a louça, ou tomando banho, uma idéia cismava em me tomar de assalto; digo "cismava" porque agora ela simplesmente faz parte da minha coleção de devaneios que acabam por fazer algum sentido. É ela, a idéia da preguiça permeando tudo o que penso em fazer, a que tento resistir e o que ouso sentir; e é neste item tão genuíno e tão irracional que esse pecado capital se entranha mais.

Sempre achei que sentir "algo" por "alguém" fosse premissa para requisitar o direito de não ser considerada um ser vil, egoísta e insensível. E assim, fui deixando minha condução ser tocada, dirigida, guiada, encaminhada... A preguiça de sentir não me atingia, e lá estava eu, pronta para subir em outra lotação, com a disposição sempre inabalada, digna de uma mulher que sabe ser mulher e nunca se arrepende do que fez, só daquilo que não fez - isto é bonito de se falar e reflete uma auto-estima estratosférica, ? A não-preguiça de sentir levava a um mórbido comportamento de não-agir.

No entanto, tem acontecido um troço meio estranho: eu, típica pisciana com ascendente em escorpião(!), vejo-me uma baita de uma preguiçosa em deixar meus sentimentos tomarem forma. Estou sem ímpeto motivador de imaginar alguém para: querer ver em plena terça-feira à tarde; tomar um sorvete depois de devorar um prato de macarrão na sala; contar as horas para fazer amor... Estou com muita, muita preguiça de gostar verdadeiramente de alguém. No momento, só tenho vontade fazer "isso" com o fulano, "aquilo" com ciclano... O querer poesia ainda existe, mas o querer prosa... Estou com preguiça de procurar idéia central, desenvolver argumentos, estruturar os parágrafos, encontrar frase de fechamento. Dá muito trabalho.

Mas o pecado capital tão maçantemente repetido aqui trouxe novidades. Começo a perceber uma tamanha disposição e imenso prazer em tocar minha condução, que chego a ficar assustada. E como guia, posso controlar a velocidade e escolher a intensidade, atitudes que simplesmente não faziam parte de um ser repleto de vontade de acertar, mesmo que para isso tivesse que quebrar a cara em um muro de concreto. E quebrar a carinha em algo tão duro não tem nada de romântico, heróico e bonito: dói à beça! Não estou com vontade de fazer para ver se acerto ou não; simplesmente quero fazer.

Então, por enquanto (é claro que profiro essas palavras dentro de um contexto momentâneo, cuja duração eu mesma desconheço), deixo a preguiça de sentir tomar espaço em mim. Ela faz o meu lado disposição-para-agir despertar. Pela primeira vez não dói, nem tira pedaço; não destrói, nem deixa gosto amargo. Pode ser que a vontade de sentir brigue em pé de igualdade com a vontade de agir; enquanto elas não se confrontam, fico observando passivamente. Não me custa nada e não dói.

2 comentários:

vitorborges disse...

anita,como prometido passo para elogiar as palavras, as gravuras e o encontro no rio. muito bom trocar idéias e saber que estás bem.
até logo
bjs
vitor

Anita Fernandes disse...

Vitor...

Que bom vê-lo por aqui. E espero encontrar-te mais vezes, viu?

Beijo!